Os participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2018 tiveram acesso ao espelho da redação na última terça-feira, 19 de março. O tema desta edição foi "Manipulação do comportamento de usuário pelo controle de dados na internet" e apenas 55 estudantes - de mais de 4 milhões - alcançaram nota mil em seus textos.
Em janeiro, o Brasil Escola fez uma reportagem com oito estudantes nota 1000 na redação do Enem. Confira as redações de três desses estudantes.
Lívia Taumaturgo, 18 anos, de Fortaleza/CE
"Segundo as ideias do sociólogo Habermas, os meios de comunicação são fundamentais para a razão comunicativa. Visto isso, é possível mencionar que a internet é essencial para o desenvolvimento da sociedade. Entretanto, o meio virtual tem sido utilizado, muitas vezes, para a manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados, podendo induzir o indivíduo a compartilhar determinados assuntos ou a consumir certos produtos. Isso ocorre devido à falta de políticas públicas efetivas que auxiliem o indivíduo a “navegar”, de forma correta, na internet, e à ausência de consciência, de grande parte da população, sobre a importância de saber utilizar adequadamente o meio virtual. Essa realidade constitui um desafio a ser resolvido não somente pelos poderes públicos, mas também por toda a sociedade.
No contexto relativo à manipulação do comportamento do usuário, pode-se citar que, no século XX, a Escola de Frankfurt já abordava sobre a “ilusão de liberdade do mundo contemporâneo”, afirmando que as pessoas eram controladas pela “indústria cultural”, disseminada pelos meios de comunicação de massa. Atualmente, é possível traçar um paralelo com essa realidade, visto que milhões de pessoas no mundo são influenciadas e, até mesmo, manipuladas, todos os dias, pelo meio virtual, por meio de sistemas de busca ou de redes sociais, sendo direcionadas a produtos específicos, o que aumenta, de maneira significativa, o consumismo exacerbado. Isso é intensificado devido à carência de políticas públicas efetivas que auxiliem o indivíduo a “navegar” corretamente na internet, explicando-lhe sobre o funcionamento do controle de dados e ensinando-lhe sobre como ser um consumidor consciente.
Ademais, é importante destacar que grande parte da população não tem consciência da importância da utilização de forma correta da internet, visto que as instituições formadoras de conceitos morais e éticos não têm preconizado, como deveriam, o ensino de uma “polarização digital”, como faz o projeto Digipo (“Digital Polarization Iniciative”), o qual auxilia os indivíduos a acessarem páginas confiáveis e, assim, diminui o compartilhamento de notícias falsas, que, muitas vezes, são lançadas por moderadores virtuais. Nesse sentido, como disse o empresário Steve Jobs, “A tecnologia move o mundo”, ou seja, é preciso que medidas imediatas sejam tomadas para que a internet possa ser usada no desenvolvimento da sociedade, ajudando as pessoas a se comunicarem plenamente.
Portanto, cabe aos Estados, por meio de leis e investimentos, com um planejamento adequado, estabelecer políticas públicas efetivas que auxiliem a população a “navegar”, de forma correta, na internet, mostrando às pessoas a relevância existente em utilizar o meio virtual racionalmente, a fim de diminuir, de maneira considerável, o consumo exacerbado, que é intensificado pela manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados. Além disso, é de suma importância que as instituições educacionais promovam, por meio de campanhas de conscientização, para pais e alunos, discussões engajadas sobre a imprescindibilidade de saber usar, de maneira cautelosa, a internet, entendendo a relevância de uma “polarização digital” para a conscientização da razão comunicativa, com o intuito de utilizar o meio virtual para o desenvolvimento pleno da sociedade."
André Bahia, 18 anos, de Janaúba/MG
"Segundo Steve Jobs, um dos fundadores da empresa “Apple”, a tecnologia move o mundo. Contudo, os avanços tecnológicos não trouxeram apenas avanços à
sociedade, uma vez que bilhões de pessoas sofrem a manipulação oriunda do acesso aos seus dados no uso da internet. Nesse sentido, esse processo é executado por empresas que buscam potencializar a notoriedade dos seus produtos e conteúdos no meio virtual. Sob tal ótica, esse cenário desrespeita princípios importantes da vida social, a saber, a liberdade e a privacidade.
De acordo com Jean Paul Sartre, o homem é condenado a ser livre. Nessa lógica, o uso de informações do acesso pessoal para influenciar o usuário confronta o pensamento de Sartr, visto que o indivíduo tem sua liberdade de escolher impedida pela imposição de conteúdos a serem acessados. Dessa forma, a internet passa a ser um ambiente pouco democrático e torna-se um reflexo da sociedade contemporânea, na qual as relações de lucro e interesse predominam. Faz-se imprescindível, portanto, a dissolução dessa conjuntura.
Outrossim, é válido ressaltar que, conforme Immanuel Kant, o princípio da ética é agir de forma que essa ação possa ser uma prática universal. De maneira análoga, a violação da privacidade pelo acesso aos dados virtuais sem a permissão das pessoas vai de encontro à ética kantiana, dado que se todos os cidadãos desrespeitassem a privacidade alheia, a sociedade entraria em profundo desequilíbrio. Com base nisso, o uso de informações virtuais é prejudicial à ordem social e, por conseguinte, torna-se contestável quando executado sem consentimento.
Em suma, são necessárias medidas que atenuem a manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet. Logo, a fim de dar liberdade de escolha ao indivíduo, cabe às empresas de tecnologia solicitar a autorização para o uso dessas informações, por meio de advertências com linguagem clara, tendo em vista a linguagem técnica utilizada, atualmente, por avisos do tipo. Ademais, compete ao cidadão ficar atento a essa questão, de modo a cobrar e pressionar essas empresas. Enfim, a partir dessas ações, as tecnologias, como disse Steve Jobs, moverão o mundo para frente."
Isabel Dória, 18 anos, do Rio de Janeiro/RJ
"Em “O jogo da imitação”, o personagem Alan Turing prejudica o avanço da Alemanha nazista quando consegue decifrar os algoritmos correspondentes ao projeto de guerra de Hitler. Diante disso, pode-se observar, desde a segunda metade do século XX, a relevância do conhecimento tecnológico para atingir certos objetivos. Contudo, diferentemente desse contexto, atualmente, utiliza-se, muitas vezes, a tecnologia não para o bem coletivo, como no filme, mas para vantagens individuais, mediante a manipulação de dados de usuários da internet. Destarte, é fundamental analisar as razões que tornam essa problemática uma realidade no mundo contemporâneo.
Em primeiro lugar, cabe abordar a dificuldade de regulação dos sites quanto ao acesso aos dados de quem está inserido no ambiente virtual. Segundo o filósofo Kant, a pessoa é um fim em si mesma, e não um meio de conseguir atingir interesses particulares. Nesse sentido, rompe-se com tal lógica humanista ao verificar-se que, hoje, muitas empresas transformam o consumidor em um instrumento de lucro. Isso ocorre porque os entraves para o controle da manipulação, caracterizados pela dificuldade de identificação dos agentes de tal ação, inviabilizaram a proteção dos usuários, sobretudo nas redes sociais, que são o principal elo de ligação das pessoas com as empresas e suas propagandas publicitárias. Por conseguinte, os indivíduos são bombardeados por anúncios, que contribuirão para traçar perfis individuais, direcionar o consumo e, ainda, influenciar as escolhas e gostos de cada um.
Ademais, outro fator a salientar é a falta de informação no que tange à internet. Com o advento da Terceira Revolução Industrial, nota-se uma população cada vez mais rodeada de tecnologia, porém despreparada para lidar com ela. Percebe-se, em grande parte das instituições de ensino, que a educação é incompleta, visto que, apesar de, desde a infância, ter contato com computadores e celulares, a criança cresce sem saber discernir corretamente quais dados podem ser públicos e como protegê-los de sistemas inteligentes. Logo, é mister providencia uma reconfiguração no ensino para formar indivíduos conscientes dos riscos que a internet pode oferecer.
Torna-se evidente, portanto, que a manipulação do comportamento do usuário é nociva ao direito dele à privacidade. Assim, cabe ao Executivo combater a manipulação de doados, mediante o investimento no Ministério da Ciência e Tecnologia, que aprimorará a fiscalização dos sistemas virtuais de empresas e desenvolverá um setor de tecnologia da informação, rumo à ampla proteção dos usuários do ambiente cibernético. Outrossim, compete ao legislativo inserir na grade curricular disciplinas como Informática e Educação Tecnológica, por meio da alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qual permitirá um suporte de ensino sobre as ameaças aos dados virtuais e sobre como lidar com as redes sociais, a fim de criar uma maior preocupação com a segurança das informações. Dessa forma, será possível construir uma sociedade mais autônoma e menos guiada pelos interesses empresariais."
Rylla Lídice Varela de Melo, 19 anos, de Natal/RN
"A obra musical "Admirável Chip Novo", da cantora Pitty, retrata a manipulação das ações humanas em razão do uso das tecnologias, que findam por influenciar o
comportamento dos indivíduos. Não obstante, tal questão transcende a arte e mostra-se presente na realidade brasileira através da filtragem de dados na internet e sua utilização como ferramenta de determinação de atitudes, consequência direta do interesse do mercado globalizado e da vulnerabilidade dos usuário. Assim, torna-se fundamental a discussão desses aspectos, a fim do pleno funcionamento da sociedade.
Convém ressaltar, a princípio, o estabelecimento do comércio virtual e sua contribuição para a continuidade da problemática. Quanto a esse fator, é válido considerar a alta capacidade publicitária da web, bem como sua consolidação enquanto espaço mercantil - possibilitador de compra e venda de produtos. Sob esse aspecto, o célebre géografo, Milton Santos, afirma a existência de relação entre o desenvolvimento técnico-científico e as demandas da globalização, justificando, assim, a constante oferta de conteúdos culturais e comerciais que podem ser adquiridos pelos usuários, de modo a fortalecer o mercado mundial e o capitalismo.
Paralelo a isso, a imperícia social vinculada ao déficit em letramento digital fomenta a perpetuação do impasse. Nesse viés, as instituições educacionais ainda não são eficazes na educação tecnológica, por não contarem com estrutura profissional e material voltado ao tema. Ademais, a formação de indivíduos vulneráveis possibilita a ação do mecanismo que pode transformar comportamentos, tornando-os passíveis de alienação. Essa conjuntura contraria o Estado proposto pelo filósofo John Locke - assegurador de liberdade -, gerando falsa sensação de autonomia e expondo internautas a um ambiente não transparente, em que decisões são previamento programadas por outrem.
Em suma, faz-se imprescindível a tomada de medidas atenuantes ao entrave abordado. Posto isso, concerne ao Estado, mediante os Ministérios da Educação e Ciência e Tecnologia, a criação de um plano educacional que vise a elucidar a população quanto aos riscos da navegação na rede e à necessidade de adaptação aos novos instrumentos digitais. Tal projeto deve ser instrumentalizado na oferta de aparelhos tecnológicos às escolas, para a promoção de palestras e aulas práticas sobre o uso da tecnologia, mediadas por técnicos e professores da área, objetivando a qualificação dos usuários e a prevenção de casos de manipulação de atitudes. Dessa maneira, o Brasil poderá garantir a liberdade de seus cidadãos e o Estado lockeano poderá ser consolidado."
Natália Cristina Patrício da Silva, 20 anos, de Brasília/DF
"A utilização dos meios de comunicação para manipular comportamentos não é recente no Brasil: ainda em 1937, Getúlio Vargas apropriou-se da divulgação de uma falsa ameaça comunista para legitimar a implantação de um governo ditatorial. Entretanto, os atuais mecanismos de controle de dados, proporcionados pela internet, revolucionaram de maneira negativa essa prática, uma vez que conferiram aos usuários uma sensação ilusória de acesso à informação, prejudicando a construção da autonomia intelectual e, por isso, demandam intervenções. Ademais, é imperioso ressaltar os principais impactos da manipulação, com destaque à influência nos hábitos de consumo e nas convicções pessoais dos usuários.
Nesse contexto, as plataformas digitais, associadas aos algoritmos de filtragem de dados, proporcionaram um terreno fértil para a evolução dos anúncios publicitários. Isso ocorre porque, ao selecionar os interesses de consumo do internauta, baseado em publicações feitas por este, o sistema reorganiza as informações que chegam até ele, de modo a priorizar os anúncios complacentes ao gosto do usuário. Nesse viés, há uma pretensa sensação de liberdade de escolha, teorizada pela Escola de Frankfurt, já que todos os dados adquiridos estão sujeitos à coerção econômica. Dessa forma, há um bombardeio de propagandas que influenciam os hábitos de consumo de quem é atingido, visto que, na maioria das vezes, resultam na aquisição do produto anunciado.
Somado a isso, tendo em vista a capacidade dos algoritmos de selecionar o que vai ou não ser visto, esses podem ser usados para moldar interesses pessoais dos leitores, a fim de alcançar objetivos políticos e/ou econômicos. Nesse cenário, a divulgação de notícias falsas é utilizada como artifício para dispersar ideologias, contaminando o espaço de autonomia previsto pelo sociólogo Manuel Castells, o qual caracteriza a internet como ambiente importante para a amplitude da democracia, devido ao seu caráter informativo e deliberativo. Desse modo, o controle de dados torna-se nocivo ao desenvolvimento da consciência estética dos usuários, bem como à possibilidade de uso da internet como instrumento de politização.
Evidencia-se, portanto, que a manipulação advinda do controle de dados na internet é um obstáculo para a consolidação de uma educação libertadora. Por conseguinte, cabe ao Ministério da Educação investir em educação digital nas escolas, por meio da inclusão de disciplinas facultativas, as quais orientarão aos alunos sobre as informações pessoais publicadas na internet, a fim de mitigar a influência exercida pelos algoritmos e, consequentemente, fomentar o uso mais consciente das plataformas digitais. Além disso é necessário que o Ministério da Justiça, em parceria com empresas de tecnologia, crie canais de denúncia de “fake news”, mediante a implementação de indicadores de confiabilidade nas notícias veiculadas – como o projeto “The Trust Project” nos Estados Unidos – com o intuito de minimizar o compartilhamento de informações falsas e o impacto destes na sociedade. Feito isso, a sociedade brasileira poderá se proteger contra a manipulação e a desinformação."
Iohana Freitas da Silva, 18 anos, de Rio Grande/RS
"Por consequência da Revolução Científica, o acesso à tecnologia favorece o contato com uma farta veiculação de informações, as quais são constantemente manipuladas. Nesse sentido, o controle de dados presente na internet reverbera uma arquitetura de comportamento da sociedade, sendo imperiosa a ampliação de medidas a fim de minimizar os impactos ocasionados por esse cenário. Ademais, é fulcral ressaltar a ausência de pensamento crítico como causa, bem como os prejuízos sociais fomentados em decorrência disso.
Em primeiro plano, urge analisar a falta de criticismo dos usuários mediante a internet. Nesse contexto, a falta de percepção crítica acerca das informações adquiridas nas redes por parte dos indivíduos implica uma falsa ideia de liberdade de escolha, já que os meios de comunicação definem a noção de mundo dos seus usuários. Com efeito, tal conjuntura é análoga à “menoridade intelectual”, proposta por Kant, a qual caracteriza a falta de autonomia dos indivíduos sobre seus intelectos, uma vez que a sociedade torna-se refém da manipulação de dados da internet e, consequentemente, tem seu comportamento moldado.
Outrossim, questões sociais estão intimamente ligadas ao controle de informações na internet. Nesse âmbito, a cegueira moral, fenômeno exposto por José Saramago em sua obra “Ensaio sobre cegueira”, caracteriza a alienação da sociedade frente as demais realidades sociais, a qual é fomentada pela restrição do pleno acesso à informação pelos meios de comunicação. Dessa feita, as redes sociais propiciam a formação de “bolhas sociais”, de modo a manipular o comportamento do indivíduo, além de restringir sua ideia acerca da conjuntura vivida.
Em síntese, medidas devem ser efetivadas a fim de mitigar os impactos causados pelo controle de dados na internet. Desse modo, as escolas devem promover a educação em informática, por meio de aulas sobre o uso consciente da tecnologia e da informação – as quais utilizem computadores e celulares – com vistas a induzir o pensamento crítico desde a infância. Além disso, cabe à sociedade efetivar o uso consciente da internet, por intermédio do policiamento acerca da obtenção de informações, as quais devem ser originadas de fontes confiáveis – com o intuito de assegurar uma mudança de pensamento social. Dessa forma, garantir-se-a o combate à manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet."
Perfil dos participantes "nota mil"
Das 55 redações nota mil, 42 foram escritas por mulheres. Minas Gerais e Rio de Janeiro são os estados com maior número textos com pontuação máxima:
Minas Gerais: 14 estudantes
Rio de Janeiro: 14 estudantes
Ceará: 5 estudantes
São Paulo: 4 estudantes
Distrito Federal: 3 estudantes
Sergipe: 3 estudantes
Pará: 2 estudantes
Piauí: 2 estudantes
Paraíba: 1 estudante
Rio Grande do Norte: 2 estudantes
Goiás: 1 estudante
Espírito Santo: 1 estudante
Maranhão: 1 estudante
Rio Grande do Sul: 1 estudante
O espelho da redação é divulgado somente para fins pedagógicos, ou seja, para que os participantes possam conferir a folha de resposta e a forma como a pontuação foi distribuída, já que o Inep não aceita recursos. A pontuação da produção textual vai de 0 a mil pontos, sendo a correção dividida por competências a serem avaliadas por dois corretores oficiais e, em caso de divergência de opiniões, um terceiro profissional corrige os textos.
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O Enem 2019 terá inscrições de 6 a 17 de maio, enquanto as provas serão aplicadas nos dias 3 e 10 de novembro. O exame será composto por questões de Linguagens e Códigos, Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Matemática e uma Redação.
Vestibular Brasil Escola
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