A menina que inventava moléculas
A fantástica história da garota de 10 anos que descobriu uma molécula desconhecida ou como atividades lúdicas e divertidas em sala de aula podem estimular a criatividade e o interesse pela ciência.
Por: Marcelo Garcia
Publicado em 22/02/2012 | Atualizado em 22/02/2012
Sem limites impostos por conhecimentos prévios enraizados, Clara Lazen contou com a criatividade e a sorte para propor o tetranitratoxicarbono, molécula teoricamente possível. A descoberta estimulou os colegas a estudar ciências. (foto: Kenneth Boehr)
Um dia comum na aula de química. Sobre as mesas, os alunos utilizam pequenas esferas de tamanhos e cores variadas para montar estruturas químicas de moléculas. A pequena Clara Lazen, de 10 anos, constrói uma estrutura pouco usual e pergunta que molécula seria aquela. O professor – talvez um pouco desconcertado, mas muito entusiasmado – admite não saber, sem desconfiar que se tratava de uma molécula completamente nova.
Isso aconteceu em uma escola do Kansas, nos Estados Unidos. Kenneth Boehr, o professor em questão, procurou a ajuda do amigo, o também químico Robert Zoellner, da Universidade Humboldt, na Califórnia, para identificar a molécula misteriosa. A curiosa descoberta do tetranitratoxicarbono rendeu um artigo publicado em janeiro na revista Computational and Theoretical Chemistry – assinado pelos três personagens. Mais importante: é um exemplo extremo de como atividades lúdicas e divertidas podem despertar o interesse pela ciência.
Sorte e criatividade
A descoberta casual ressalta a relação próxima que muitas vezes a ciência estabelece com a criatividade, o espírito artístico e até com a sorte. Sem amarras de conhecimentos profundos de química, a menina foi levada pela inventividade e por certo senso estético – revelado na simetria da molécula proposta – a desenvolver um arranjo improvável, que muitos químicos teriam descartado logo a princípio.
A criatividade levou Clara a uma estrutura bastante simétrica que, por sorte, mostrou-se viável na teoria
“Clara não tinha conhecimentos prévios que a fizessem pensar que o arranjo seria improvável ou impossível. A criatividade a levou a uma estrutura bastante simétrica que, por sorte, mostrou-se viável na teoria”, analisa Zoellner. “É muito interessante pensar nas lições que podemos tirar disso.”
Para a menina, que deseja ser veterinária, atividades divertidas e não convencionais como desenho, pintura e escultura facilitam o aprendizado. “Construir a molécula me fez pensar melhor em como aqueles átomos todos poderiam ficar juntos”, conta. “Quero cuidar dos animais e sei que preciso das aulas de ciências. Mas adoro construir coisas e acho que aprendo mais quando posso fazer isso nas aulas.”
A molécula, a menina e o futuro
Apesar de possível matematicamente, a nova molécula, que tem a mesma combinação de átomos da nitroglicerina, provavelmente seria instável e difícil de sintetizar. “Mesmo que seja possível produzi-la, é provável que ela se converta em seu isômero mais estável”, acredita Zoellner. “Mas só saberemos quando alguém fizer essa tentativa”, completa.
Segundo o químico, o tetranitratoxicarbono poderia ter utilidade na estocagem de energia, como um poderoso explosivo ou como algo entre esses dois extremos. Seja qual for o futuro da nova molécula, o mais importante é que ela pode ter ajudado a formar outros futuros. A experiência da colega, agora famosa, reforçou nos outros alunos o interesse e o entusiasmo pela ciência, especialmente a química e a biologia.
Para Zoellner, como há muitos estudantes que acham que a ciência é algo para nerdsou pessoas superdotadas, existe grande resistência ao campo, especialmente entre as meninas. “Esse pequeno exemplo de quanta diversão é possível ter com a química pode fazer com que Clara, seus colegas e crianças do outros lugares do mundo vejam que a ciência é para todos”, avalia. “Independente do valor científico da descoberta, se ela ajudar a mudar esses futuros, já terá sido um enorme sucesso.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
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