GUIA DO ESTUDANTE
A Região metropolitana de São Paulo vive sua maior crise hídrica desde 1930, quando começaram as medições nos sistemas de reservató- rios fornecedores de água. A situação é pior no sistema Cantareira, cujo nível bate sucessivos recordes negativos desde o início do ano. Responsável pelo abastecimento de 8,8 milhões de pessoas – quase a metade da população da Grande São Paulo – o Cantareira opera com o volume útil esgotado desde julho. A retirada de água do sistema só continuou porque, em maio, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) começou a bombear água do chamado volume morto. A utilização inédita da reserva técnica, que fica abaixo das comportas das represas, fez o nível do reservatório subir a 18,5%. A previsão da Agência Nacional das Águas (ANA), órgão federal responsável pela gestão dos recursos hídricos brasileiros, é de que o volume morto dure até novembro. Mas o cumprimento do prazo vai depender da chuva nas represas nos próximos meses.
A pressão das cidades
O esgotamento dos mananciais na região metropolitana de São Paulo não é causado apenas pela falta de chuvas. Além do rápido crescimento populacional, a alta taxa de urbanização, que se aplica a todo o Brasil, polui os rios e dificulta o acesso à água potável. Criado na década de 1970, o Cantareira foi uma resposta à demanda crescente da região. Foi então preciso buscar água na Bacia do Rio Piracicaba, onde fica o sistema, a 70 quilômetros da capital. Essa transferência forçada de recursos hídricos exerce pressão sobre a oferta de água para os centros urbanos, as indústrias e as plantações do interior paulista.
O crescimento desordenado das cidades agrava a dificuldade de acesso à água em qualidade e em quantidade satisfatórias. A falta de planejamento, com a verticalização das construções (prédios), sobrecarrega as estruturas já existentes nas ruas, que muitas vezes não suportam a quantidade de água que agora passa por ali – milhões de litros se perdem por vazamento nos canos subterrâ- neos das cidades. Segundo um estudo do Instituto Socioambiental (ISA), as capitais brasileiras perdem, diariamente, quase metade da água captada durante a distribuição. Sozinha, a cidade do Rio de Janeiro joga fora mais de 1,5 milhão de metros cúbicos por dia – o equivalente a mais de 600 piscinas olímpicas. A maior parte desse desperdício deve-se a vazamentos na rede de distribuição, ao crescimento urbano e à falta de manutenção adequada às novas condições.
Loteamentos clandestinos e vias públicas à beira de mananciais e em áreas de várzea, normalmente inundadas pelo fluxo dos rios em períodos de cheia, ameaçam as fontes com a poluição por esgoto e lixo, industrial e doméstico. Ao mesmo tempo, a grande concentração de vias pavimentadas e de edifícios de concreto aquece a atmosfera sobre as grandes cidades, criando as chamadas ilhas de calor, que atraem nuvens pesadas e tempestades.
O solo impermeabilizado (coberto pelo asfalto ou por construções) não permite que a água das chuvas penetre até os lençóis freáticos, resultando em enchentes durante o verão, o período de chuvas.
O sertão e a origem das secas
A crise hídrica em São Paulo chamou a atenção pelo ineditismo e por acontecer numa das regiões mais desenvolvidas e populosas do país. Mas uma boa parte dos mais de 10 milhões de brasileiros que moram no semiárido nordestino convive com a estiagem ano após ano. A falta contínua de chuvas desde 2011 fez com que, em 2013, ocorresse na região a pior seca dos últimos 50 anos. Muitos nordestinos perderam os meios que tinham para sobreviver e, sem outras alternativas, recorreram à ajuda do governo ou decidiram deixar suas terras áridas, buscando trabalho bem longe do sertão onde nasceram.
A escassez de chuva na região tem origem em lugares distantes e é provocada principalmente por mecanismos de circulação de ventos. Na chamada Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que circunda a Terra próxima à linha do Equador, os ventos dos Hemisférios Norte e Sul se encontram. A massa de ar que chega à Região Nordeste é quente e úmida, provocando chuvas na região litorânea, onde predomina a vegetação da Mata Atlântica. Mas, quando se movimenta em direção ao interior, já perdeu força e umidade, e o resultado é uma massa quente e seca que estaciona no sertão durante longos períodos. Outros fatores que podem provocar chuva, como as frentes frias vindas do Sul do país, nem sempre conseguem chegar ao Nordeste.
O resultado de tais fenômenos, ao longo de séculos, foi a formação de uma região com clima semiárido, de baixo índice pluviométrico anual (pouca chuva), com predominância da vegetação da caatinga, solo raso e pedregoso e temperaturas elevadas em grande parte do ano. Alguns fenômenos que ocorrem a grande distância agravam muito a falta de chuvas ali, como aconteceu em 2013. Um deles é a temperatura da água no Oceano Atlântico, nos dois hemisférios. A diferença de 1 °C pode fazer com que a ZCIT se movimente mais para o norte ou para o sul, provocando chuvas e novas correntes de vento em lugares distintos, piorando ou atenuando o período de seca. Outro fator é o fenômeno do El Niño, que atua a cada dois ou sete anos e pode durar de um a dois anos. Ele é provocado também por diferença de temperatura nas águas do Oceano Pací- fico, interferindo nas massas de ar próximas à costa oeste da América do Sul. Por causa da estiagem, mais de 1.400 municípios decretaram estado de emergência. A situação só foi amenizada com as chuvas de verão de 2014, principalmente em maio.
Políticas públicas
A seca é um fenômeno natural, mas, quando prolongada, causa graves problemas, como os que atingem o sertão. Há relatos de secas nordestinas desde o início da colonização portuguesa. Na estiagem de 1983, 1 milhão de sertanejos se inscreveram no programa de emergência para receber dinheiro para a construção de açudes. Muitos outros emigraram para o Sudeste e engrossaram o trabalho em construtoras e fábricas. A seca do ano passado causou a perda de 18 mil empregos na região.
Para atenuar o problema, o Estado brasileiro desenvolveu, principalmente a partir do século XX, políticas públicas de combate aos efeitos da seca. O primeiro órgão criado foi o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), sob o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), em 1909, e que existe até hoje, vinculado ao Ministério da Integração Nacional. Seu objetivo é executar ações para beneficiar as áreas atingidas e fomentar obras de proteção contra as secas e inundações, como a construção de açudes, que permitem tornar perenes rios intermitentes. Outra ação governamental foi criar uma legislação específica para a região, denominada então de Polígono das Secas, em 1951.
O atual governo federal investiu mais de 20 bilhões de reais em obras de infraestrutura, como os sistemas coletivos de abastecimento de água, adutoras para a distribuição das águas das barragens e as próprias barragens, além da operação de carros-pipa, construção de cisternas e recuperação de poços. Dentre as obras, está a controversa transposição do Rio São Francisco. A previsão de gastos é de 8 bilhões de reais (veja mais na pág. 173). Alguns especialistas afirmam que a construção de poços profundos e de cisternas para a coleta de água da chuva seria uma alternativa mais eficaz e barata para combater a seca. Opositores da obra também argumentam que o projeto não alcançará muitas comunidades e beneficiará principalmente os grandes fazendeiros, além de causar impactos ambientais ainda não bem mensurados no entorno do “Velho Chico”.
Desigualdade
O Brasil é um dos países mais ricos em recursos hídricos e abriga 12% de toda a água potável do mundo. Esse precioso líquido, porém, não se distribui de maneira uniforme pelo território nacional. Cerca de 72% das reservas encontram-se nos rios da Região Norte, que reúne menos de 5% da população nacional. Em 2013, enquanto os nordestinos pediam chuva, as populações ribeirinhas dos rios da Bacia do Amazonas torciam para que parasse de chover. No Amazonas, 26 municípios declararam situação de emergência, incluindo a capital, Manaus.
No Sudeste, os desafios ligados à água são de outro tipo, relacionados às grandes metrópoles e à falta de planejamento e manejo adequado, pois, para se tornarem potáveis para uso humano, as águas precisam passar por um processo de tratamento. Como resultado, temos uma conta difícil de fechar. Mas, mesmo em lugares em que há abundância, muitas vezes a população não recebe água tratada. Existem propostas para garantir a oferta de água a todos os brasileiros, tornando o resultado desse cálculo mais igualitário. Segundo especialistas, a solução passa por ações como o controle de uso das reservas, monitoramento constante do meio ambiente, planejamento urbano eficiente, investimentos em cisternas, construção de poços e de infraestrutura de distribuição de água tratada.
Um tanto da água potável não está à luz do sol, mas escondido em aquíferos, formações geológicas subterrâneas. Os especialistas calculam que essas reservas guardam um volume 100 vezes maior que o da água doce superficial existente no planeta. E o Brasil é privilegiado também nesse quesito, pois possui 27 aquíferos, incluindo um dos maiores do mundo: o Aquífero Guarani, que se espalha sob 1 milhão de quilômetros quadrados, pelo subsolo de oito estados do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. O restante está sob os territórios de Uruguai, Paraguai e Argentina. Há estudos apontando que o depósito reserva 37 mil quilômetros cúbicos de água, volume suficiente para abastecer, sozinho, a população brasileira por muitos séculos. Mas ainda é difícil ter precisão nos cálculos, pois há poucas pesquisas a respeito.
O uso das reservas hídricas do subsolo requer planejamento. Os aquíferos abastecem rios e poços, mas, se sua água for retirada num ritmo mais intenso do que o de reposição natural (que é muito lento), o nível pode descer perigosamente. A poluição também ameaça os reservatórios: o Guarani corre risco nos pontos em que a água aflora naturalmente à superfície. Já há sinais de contaminação por esgoto e agrotóxicos, que chegam até o subsolo quando jogados por indústrias e fazendas e são absorvidos, particularmente no Rio Grande do Sul e no interior de São Paulo.
Os usos da água
Energia e água estão diretamente relacionadas. São elementos-chave para sistemas agrícolas, fábricas e moradias, e condições básicas para atender às necessidades humanas em alimentação, moradia e saúde.
Do meio ambiente à mesa
A água que sai das torneiras e chuveiros, ou mesmo a que ocupa a garrafinha nos supermercados, só chega até nós porque existe uma rede de captação, distribuição e tratamento. A água é utilizada de diversas formas, no nosso modo de vida atual, no qual ela é essencial para atender às necessidades humanas em alimentação, moradia e saúde. Nem todos os brasileiros têm acesso a água de boa qualidade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012, apesar de 85,4% dos domicílios contarem com rede geral de abastecimento, apenas 57% possuem rede de coleta. No Norte, a taxa é de 13%.
Ainda que distribuída de maneira desequilibrada pelo território nacional, há abundância do recurso vital: estima-se que o Brasil use menos de 10% do total de sua água doce disponível. A maior parte desse uso ocorre na agricultura e na pecuária. Também em termos mundiais, a agropecuária é a maior consumidora dos recursos hídricos: 70% da água captada no planeta destina-se às plantações e criações de rebanhos. A indústria fica com outros 22%, e o uso doméstico, com apenas 8%. Mas essas percentagens variam Segundo o desenvolvimento de cada nação. Em países menos desenvolvidos, o volume absorvido pela agricultura pode ultrapassar os 80%, enquanto nos mais industrializados, não passa de 30%.
As regiões hidrogrãficas brasileiras
Para a gestão de políticas públicas, o Brasil é dividido em 12 regiões hidrográficas. O país é um dos mais ricos em recursos hídricos. O clima e o regime de chuvas alimentam uma rede hidrográfica extensa, formada por rios com grande volume de água. Com exceção das nascentes do Rio Amazonas, que se abastecem com o derretimento das geleiras andinas, a origem das águas dos rios brasileiros são basicamente as chuvas.
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