Neste ano de 2016, o processo de impeachment contra a presidente Dilma tem feito a maior parte da população brasileira voltar sua atenção para a política brasileira. No dia 17 de abril, tivemos uma oportunidade única de ver o rosto e ouvir a voz de praticamente todos os nossos 513 deputados federais, que formam a Câmara dos Deputados. Nas próximas semanas, todos os olhos estarão sobre o Senado e os 81 parlamentares que compõem esta Casa.
Mas afinal, por que temos duas casas legislativas no Brasil? Vamos conhecer melhor cada uma, suas diferenças e razão de existir.
O QUE É BICAMERALISMO
Antes de tudo, vamos entender melhor o modelo de poder legislativo adotado pelo nosso país: o bicameralismo. Como o nome sugere, é um sistema com duas casas legislativas. Nesse sistema, o início do processo legislativo se dá em uma das casas, e a segunda casa tem o dever de revisar tal processo.
As casas que formam o sistema bicameral em questão possuem duas duas características principais: são incongruentes, no sentido de que possuem diferentes graus de representação política; e simétricas, uma vez que possuem ainda prerrogativas próprias que estarão em equilíbrio inquestionável quando relacionadas com a outra casa – ou seja, uma casa não pode deter mais poder que a outra.
Mas por que, afinal, o sistema bicameral foi adotado no Brasil (assim como em outros países)? Quais as vantagens desse sistema?
Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o Palácio do Congresso Nacional é formado por duas cúpulas: a menor à esquerda, voltada para baixo, abriga o Plenário do Senado Federal. A cúpula maior, voltada para cima, abriga o Plenário da Câmara dos Deputados. Há ainda um edifício principal na horizontal, que serve de plataforma para as duas cúpulas, e duas torres no centro, que abrigam os gabinetes e escritórios de cada Casa. (Foto: iStock)
Em primeiro lugar, a existência de duas casas no Legislativo proporciona maior distribuição do poder: sempre vai ser mais difícil influenciar duas casas do que apenas uma. Dessa forma, o sistema político não fica refém de um mesmo grupo e dos mesmos interesses. Além disso, a existência de duas casas torna cria um sistema balanceado de revisão de novas propostas de leis: proposições feitas por uma casa são sempre revisadas pela outra casa (sem contar ainda o veto presidencial).
Um segundo fator importante que pesa a favor do sistema bicameral é o fato de que ele permite ao mesmo tempo dar atenção a problemas gerais e a problemas específicos de uma população. Isso acontece porque uma casa costuma ser muito maior em quantidade do que a outra (como é no Brasil). Assim, a Câmara dos Deputados, com mais de 500 parlamentares, pode representar demandas mais específicas da população (já que há menos pessoas representadas por deputado), enquanto os senadores, que não somam uma centena de pessoas, cuidam de problemas mais gerais. É desse fato também que se argumenta que o bicameralismo combate atirania da maioria, já que as minorias podem ser representadas ao mesmo tempo em que os interesses da maioria são contemplados.
DIFERENÇAS ENTRE SENADO E CÂMARA
Ambas as casas estão contempladas em nossa Constituição Federal, precisamente na organização dos poderes. Vamos entender o que diferencia uma casa da outra.
A Câmara é descrita no Artigo 45º da Constituição, como sendo a representante do povo, eleitos pelo sistema proporcional em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. É também chamada de câmara baixa (o que não significa que tem menos poder que o Senado, pelo contrário).
A Câmara dos Deputados é constituída por 513 deputados. O número de deputados por estado é proporcional à sua população, privilegiando assim os Estados com maior número de habitantes. O número de cadeiras que um estado pode ter varia entre o mínimo de 3 e máximo de 70 deputados por Estado. Abaixo você pode ver quantos deputados cada estado elege:
(Fonte: Câmara dos Deputados)
No Brasil, os deputados são eleitos com idade mínima de 21 anos para mandatos de 4 anos, com a total renovação da Câmara neste período. Lembrando que o sistema de eleição é proporcional, o qual leva em conta o que o partido recebeu de voto também e não só apenas o que um candidato recebeu.
A Câmara dos Deputados é representada pela copa voltada para cima, reproduzindo uma ideia de abertura com relação às novas ideologias, tendências, anseios, ou seja, retrata a ideia de representar o povo. Não é à toa que a Câmara costuma estar mais envolta em polêmicas: reunindo uma grande quantidade de parlamentares e aceitando jovens a partir dos 21 anos, as sessões da Câmara frequentemente são muito tumultuadas , como foi a sessão de votação do impeachment de Dilma (muitos classificaram a sessão como um “circo”).
Senado
O Senado Federal está definido no artigo seguinte da Constituição, o 46. Esse artigo nos diz que essa casa é composta pelos representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário. Ou seja, são eleitos os senadores que conseguem mais votos para si, sem observar a proporção de votos por partido ou coligação – como acontece nas eleições dos deputados. O Senado Federal possui 81 vagas, que são divididas igualmente entre todos os estados, de modo que cada possui três senadores, independente do tamanho da população.
Os senadores são eleitos com a idade mínima de 35 anos e para mandatos de 8 anos, com renovação de um terço das cadeiras em uma eleição e dois terços nas eleições seguintes. Isso explica por que em algumas eleições você vê seu estado eleger dois novos senadores e em outras vezes vê apenas um novo senador.
Se a Câmara é representada pela copa para cima, o Senado é representado pela copa para baixo. Essa copa sugere a reflexão, a experiência. O Senado, de fato, é tido como uma casa mais madura e de fato costuma ser menos inflamada do que a Câmara. Seus membros, além de serem em um número muito menor em relação aos deputados, também costumam ser mais velhos e possuírem longas carreiras políticas. Por ser mais seleto que a Câmara dos Deputados, o Senado também é conhecido como câmara alta.
OK, MAS O QUE FAZEM O SENADO E A CÂMARA?
Cada casa possui algumas atribuições particulares. Vamos aprender as principais delas:
O que faz a Câmara
As duas funções mais importantes da Câmara são legislar e fiscalizar. Legislar significa se empenhar no processo de elaboração e revisão de leis. Os deputados precisam estar atentos às demandas populares e devem procurar soluções legislativas que sejam benéficas para a população – ao mesmo tempo respeitando as regras da Constituição. Para isso podem propor mudanças nas leis já existentes, ou então criar novas leis, onde isso for possível e sensato.
As competências privativas da Câmara são poucas: o artigo 51 da Constituição traz apenas cinco incisos e dois deles se referem à autonomia da Câmara em elaborar seu regimento e em se organizar. As mais importantes competências são: cobrar as contas do Executivo Federal quando não apresentadas ao Congresso no prazo de 60 dias depois da abertura da sessão legislativa e autorizar abertura de processo por crime de responsabilidade (o famoso impeachment).
O que faz o Senado
O Senado possui algumas competências muito importantes. Entre elas estão:
– aprovar a escolha de magistrados, ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), de presidentes e diretores do Banco Central, do Procurador-Geral da República e de embaixadores (todos estes são nomeados pelo Presidente da República)
– autorizar operações financeiras de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios;
– fixar limites da dívida pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios;
– avaliar periodicamente o funcionamento do Sistema Tributário Nacional.
Além disso, o Senado também é um agente fundamental no processo de criação de leis no nosso país. Os senadores podem elaborar projetos de lei, a serem analisados e votados tanto no Senado quanto na Câmara, assim como devem analisar, avaliar e aprovar ou rejeitar projetos de lei de autoria da Câmara ou do Presidente da República.
As competências que são privativas do Senado estão listadas no artigo 52 da Constituição Federal.
Atribuições compartilhadas: o papel do Congresso Nacional
Muito embora detenham atribuições particulares, as duas casas também possuem deveres em conjunto. A junção do Senado e da Câmara é chamada de Congresso Nacional. O Congresso tem a palavra final em várias matérias importantes, como:
– votar medidas provisórias, vetos presidenciais, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Plano Plurianual de Investimentos e o Orçamento Geral da União (OGU).
– dar posse ao presidente e ao vice-presidente da República;
– autorizar o presidente e o vice a se ausentarem do país por um período superior a 15 dias;
– autorizar o presidente a declarar guerra, celebrar a paz, permitir que forças estrangeiras entrem no país e que forças brasileiras saiam;
– aprovar o estado de defesa, a intervenção federal e o estado de sítio e suspender qualquer uma dessas medidas;
– deliberar sobre tratados;
– fixar remuneração dos senadores, deputados, presidente, vice-presidente e ministros;
– julgar as contas do presidente;
– apreciar os atos de concessões de rádio e televisão;
– autorizar referendos e convocar plebiscitos; aprovar iniciativas do poder Executivo no que tange a atividades de energia nuclear.
E quem é o presidente do Congresso Nacional? É o presidente do Senado, que hoje é Renan Calheiros.
BÔNUS: QUAIS AS FUNÇÕES DA CÂMARA E DO SENADO NO PROCESSO DE IMPEACHMENT?
Apesar de que parece não existir muita diferença entre os trabalhos da Câmara e do Senado em relação ao impeachment, a Constituição faz uma distinção bastante clara entre os papéis de cada casa nesse processo. Em tese, tudo que a Câmara deve fazer é manifestar se o impeachment é admissível, ou seja, se ele possui os elementos mínimos necessários para ter sua abertura autorizada. Esses requisitos mínimos são a suspeita da existência de um crime de responsabilidade cometido pelo presidente, além do cumprimento de todos os requisitos formais.
O Senado, por sua vez, tem a função de investigar e julgar o mérito da questão. Se a Câmara apenas avalia se existem suspeitas sólidas em relação ao presidente, o Senado deve ir a fundo na investigação dessas suspeitas, coletando provas, ouvindo testemunhas, os argumentos da defesa e também da acusação. Tudo para que possa deliberar se as suspeitas se confirmam. Pode-se dizer que durante o processo de impeachment o Senado vira uma espécie de tribunal. É por isso que o nessa casa o impeachment não deve tramitar tão rápido quanto na Câmara, que levou cerca de um mês para formar uma comissão, encaminhar um parecer e fazer a votação em plenário. O Senado deve gastar pelo menos três meses até chegar ao julgamento final da presidente Dilma, podendo levar seis meses ou até mais.
Referências
CRISTINA, Flávia; FRANCESCHET, Júlio; PAVIONE, Lucas (Org.).
Exame OAB Doutrina: todas as disciplinas. Bahia: Juspodivm, 2015.
GUIA DO ESTUDANTE
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