Perguntamos a professores de redação, de colégios e cursinhos, o que os chateia, desanima, decepciona ou até aborrece e irrita encontrar nas provas de redação. Lembramos que as provas dos vestibulares quase sempre passam por dois ou mais avaliadores, e que irritá-los não é coisa boa, mas não necessariamente tira pontos. No entanto, muita coisa listada abaixo resulta em descontos na nota, como citações e estatísticas falsas, nomes errados, títulos sem reflexão ou sentido, abreviações, ideias mal expressas, texto sem coesão. Na dúvida, consulte o manual do candidato das provas que irá prestar para entender melhor quais serão os critérios usados na correção.
Pode começar no título
A irritação às vezes começa já no título. Um título muito grande não serve, é a primeira coisa: ele tem de ser sintético. Não precisa ser curtinho, mas também não é para ser uma frase muito longa. Quando vejo, eu já penso: o que me espera? Tem também aquele título muito óbvio, que repete as palavras do tema, ou vazio: em um tema como “Caminhos para a solução do excesso de lixo no Brasil”, o aluno vai e coloca apenas a palavra “Lixo”, que não traz reflexão nenhuma. Ou títulos grafados com “clichês” como “Homens x consumismo”, “Homens vs consumismo”. Outra coisa bastante irritante é tom panfletário. É terrível quando o aluno quer sensibilizar demais o leitor e não é objetivo. Quando ele diz, por exemplo, “as crianças de rua sofrem muito e isso tem de ser resolvido”. Outra coisa que também irrita bastante é quando o aluno não é claro, e tenta ser erudito demais, tenta ser machadiano. Usar termos como “é mister”, “hodiernamente”.
Thiago Braga, coordenador de redação do Colégio e Curso pH, no Rio de Janeiro
Senso comum, “internetês” e pérolas
Vamos lá ao que aborrece e irrita:
– Usar de senso comum como se fosse o melhor argumento que existe;
– Grafia completamente equivocada de personalidades famosas utilizadas como fundamentação teórica. Cito exemplos reais: Marx Weber, Hobbisbloun, Decarte, entre outras pérolas*;
– Usar ditados populares como forma de fundamentação teórica;
– Usar “internetês” na redação como “vc, pq, oq”.
– Usar falsos argumentos de autoridade, como citar uma fala de Karl Marx nunca dita e que até contradiz o pensamento de Marx;
– Citar falsas estatísticas.
Nathália Macri Nahas, professora de redação e consultora, em São Paulo
* Nota da redação: Max Weber (sociólogo), Eric Hobsbawm (historiador), René Descartes (filósofo e matemático).
Citação indevida, mesóclise…
Eu me irrito mais com alguém que tenta enfiar na redação alguma coisa que sabe, só para dizer que sabe. Como colocar uma citação que não funciona na argumentação, só para dizer que conhece o autor. Acho um pouco chato também o uso de mesóclise: é forçar na gramática. O texto de redação tem de ser objetivo, deve ser um texto mais “clean”, limpo. Acho que as coisas que me irritam são essas – não são tanto os erros da norma-padrão, porque as pessoas erram.
Ana Paula Dibbern, professora de redação e coordenadora do Cursinho Maximize, em São Paulo
Não enrole o corretor
Acho que a pior coisa é quando o autor tenta enrolar o corretor. É aquela pessoa que não tem a menor ideia do que está falando, ou então coloca uma ideia – e essa ideia é absurda! – e tenta fazer isso passar goela abaixo de quem está lendo. E tem também aquele que, em vez de colocar argumentos, passa só o osso da ideia. Erro de ortografia não me chateia não, é algo que pode acontecer.
Alan Nicoliche, professor de redação da Escola Talmud Torá Hamaour, em São Paulo, e da Cooperativa Educacional de Ubatuba (SP)
Citações que se tornaram clichês
A coisa mais irritante são as fórmulas prontas, típicas dos cursinhos. São as citações que aparecem sempre, mesmo fora do tema, como o Mito da caverna de Platão. O professor apresenta o tema em sala e o candidato decide enxertá-lo no texto de qualquer forma. O tema é machismo ou homofobia, e o cara coloca o Mito da caverna. É muito raro quem faz uma citação realmente original. Eu chego a pensar que é melhor ler uma redação simplória do que uma redação com citações inadequadas. Mas é como eu vejo enquanto estou como corretor, e não enquanto sou professor.
Davi Fazzolari, professor de Língua portuguesa no Colégio Dante Alighieri, em São Paulo
Frases feitas revelam falta de autoria
O exercício da correção é deixar de lado a subjetividade e ser objetivo. Mas é claro que há coisas que irritam. O exercício diário leva o corretor a perceber sempre a repetição de certas ocorrências. Um caso comum, por exemplo, é começar a redação com um clichê de linguagem, frases feitas, expressões convencionais que um corretor encontra diversas vezes em um mesmo dia, como “Na sociedade em que vivemos”, ou “No mundo atual”, “Desde a Antiguidade” ou “Desde a pré-história”. Ou quando, no meio do texto, o corretor encontra conectores destoantes, como “outrossim”, “destarte”, que o estudante usa achando que impressiona, mas que destoam do conjunto do texto que ele está escrevendo. Finalmente, aparecem clichês na maneira de fechar o texto, como “Em vista dos argumentos acima mencionados”. Irrita dar de cara com essas expressões cristalizadas na língua. Esses clichês de linguagens revelam uma consciência de texto engessada e falta de autoria, quando se espera o oposto, diversidade e riqueza de linguagem. Mas cabe ao corretor discernir se é um problema do texto, ou é apenas uma coisa da qual ele não gosta.
Sérgio de Lima Paganim, supervisor de português das escolas do Cursinho Anglo, em São Paulo
Cadê a tese?
Como professor, eu não diria que me irrita, mas o que me decepciona é a ausência de tese em uma dissertação. Pois quando produz um texto você deve ter um objetivo; quando faz uma redação no vestibular você está fazendo uma promessa, a promessa de discutir algo. Acho que nada me chateia mais como leitor, e talvez ao corretor do vestibular e do Enem, do que não encontrar isso: significa que o aluno não conseguiu ter feito o que ele queria fazer no vestibular, que é apresentar um debate.
Luciano Ricardo Segura, professor de redação do Curso Intergraus, em São PauloGUIA DO ESTUDANTE
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