Enem: mudança é positiva, mas não basta, diz especialista
MEC anuncia que irá punir com nota zero gracinhas na dissertação, como receita e hino de clube, e reduzir a discrepância máxima entre notas de corretores. Para especialista, mesmo tardias, mudanças são bem-vindas, mas não bastam para sanar todas as deficiências da prova
Lecticia Maggi
Estudantes antes do início da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) na Escola Estadual Central, em Belo Horizonte - Douglas Magno/O Tempo
O Ministério da Educação (MEC) anunciou, nesta quarta-feira, importantes mudanças na correção do próximo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a ser realizado nos dias 26 e 27 de outubro. Como prometido pela pasta em março – quando foram divulgadas redações com trechos de receita de macarrão instantâneo e hino do Palmeiras –, candidatos que tentarem debochar da banca examinadora receberão zero. Outra alteração significativa é a redução da discrepância máxima tolerada para as notas dadas pelos corretores. Quando a diferença entre duas avaliações passar de 100 pontos, a redação será analisada por um terceiro especialista. A tolerância até o ano passado era de 200 pontos. Para Rogério Chociay, professor aposentado da Universidade Estadual Paulista (Unesp), as mudanças são bem-vindas, ainda que tardias.
"A prova de redação não é uma prova de conhecimentos gerais, em que se pode considerar apenas uma questão – no caso, um trecho ou parágrafo – e ignorar o resto. A dissertação é um todo completo e deve se fechar em um significado global", afirma Chociay. "No momento em que um aluno coloca uma receita de macarrão no texto ele quebra completamente sua estrutura, tornando-o uma colcha de retalhos. Esse tipo de redação nunca deveria ter sido aceito pela banca", diz.
Até a última edição, o zero só era atribuído em casos muito específicos: se o participante fugisse completamente do tema proposto, desrespeitasse os direitos humanos ou entregasse a folha em branco, com desenhos, impropérios ou menos de sete linhas de texto. Por essa razão, os candidatos do macarrão e do hino conseguiram marcar, respectivamente, 560 e 500 pontos cada, de um total de 1.000. O tema da redação, vale lembrar, não tinha nada a ver com futebol e nem com culinária. Os candidatos deveriam abordar os movimentos imigratórios para o Brasil no século XXI.
"Havia textos muito, muito ruins, e pensei várias vezes em dar zero, mas não fiz isso porque segui exatamente as recomendações que me foram passadas. A orientação oral que recebemos era para não pegar pesado e relevar parágrafos inteiros, se fosse o caso", afirma T., uma das corretoras da última edição do exame. A profissional – que não pode ter o nome divulgação por ter assinado um termo de sigilo com o CESPE/UnB, órgão responsável pela seleção dos avaliadores – afirma ter corrigido mais de 1.000 textos e não anulou nenhum.
A outra mudança divulgada por Mercadante - redução da discrepância permitida entre as notas dos corretores - também é vista com bons olhos por Chociay. “Como o Enem se tornou um processo seletivo unificado, essas mudanças são positivas na busca por uma seleção mais justa. Sabemos que as vagas no vestibular, principalmente em carreiras concorridas, é perdida por centésimos", diz.
Apesar de aprovar as mudanças, Chociay lembra que essas alterações não serão capazes de sanar todas as deficiências da avaliação. O problema do Enem, ressalta o professor, está em seu gigantismo. Em 2012, segundo dados do MEC, foram necessários 5.692 corretores, 234 supervisores, 468 auxiliares e dez subcoordenadores regionais para avaliar 4,1 milhões de redações. No vestibular de universidades públicas, o número de participantes e, consequentemente de corretores, é bem menor. Na Fuvest, por exemplo, são necessários apenas 60 corretores para 35.000 dissertações."Além disso, os corretores são treinados ao longo do ano, passam por simulações de correção e trabalham supervisionados por um coordenador. Quando há dúvidas sobre que nota atribuir a um aluno, elas são sanadas na hora. É um processo claro, objetivo e supervisionado", afirma. O mesmo, segundo ele, não se pode dizer da avaliação federal, em que o treinamento dos corretores ocorre à distância, com apenas um encontro presencial, e a correção também é feita de forma remota. Há, portanto, um longo caminho ainda a ser percorrido em busca da excelência.
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