A redação é decisiva no Enem e nos demais vestibulares. Quais são os segredos de quem alcança a sonhada nota máxima? Vamos fazer um raio-X de um texto que mereceu nota mil no Enem 2014, com o tema: “Publicidade infantil em questão”, da autoria de Carlos Eduardo Lopes Marciano.
O verdadeiro preço de um brinquedo
Carlos Eduardo Lopes Marciano
É comum vermos comerciais direcionados ao público infantil. Com a existência de personagens famosos, músicas para crianças e parques temáticos, a indústria de produtos destinados a essa faixa etária cresce de forma nunca vista antes. No entanto, tendo em vista a idade desse público, surge a pergunta: as crianças estariam preparadas para o bombardeio de consumo que as propagandas veiculam?
Há quem duvide da capacidade de convencimento dos meios de comunicação. No entanto, tais artifícios já foram responsáveis por mudar o curso da História. A imprensa, no século XVIII, disseminou as ideias iluministas e foi uma das causas da queda do absolutismo. Mas não é preciso ir tão longe: no Brasil redemocratizado, as propagandas políticas e os debates eleitorais são capazes de definir o resultado de eleições. É impossível negar o impacto provocado por um anúncio ou uma retórica bem estruturada.
O problema surge quando tal discurso é direcionado ao público infantil. Comerciais para essa faixa etária seguem um certo padrão: enfeitados por músicas temáticas, as cenas mostram crianças, em grupo, utilizando o produto em questão. Tal manobra de “marketing” acaba transmitindo a mensagem de que a aceitação em seu grupo de amigos está condicionada ao fato dela possuir ou não os mesmos brinquedos que seus colegas. Uma estratégia como essa gera um ciclo interminável de consumo que abusa da pouca capacidade de discernimento infantil.
Fica clara, portanto, a necessidade de uma ampliação da legislação atual a fim de limitar, como já acontece em países como Canadá e Noruega, a propaganda para esse público, visando à proibição de técnicas abusivas e inadequadas. Além disso, é preciso focar na conscientização dessa faixa etária em escolas, com professores que abordem esse assunto de forma compreensível e responsável. Só assim construiremos um sistema que, ao mesmo tempo, consiga vender seus produtos sem obter vantagem abusiva da ingenuidade infantil.
PRIMEIRA PARTE – ANÁLISE DO TEXTO
Título inteligente. O título sugere que, para além do que se paga por um brinquedo infantil, há uma série de outros “custos” ou “consequências” associadas – como o autor demonstrará ao longo do texto.
Introdução que situa o tema no contexto. No primeiro parágrafo, o autor apresenta o contexto da discussão: o crescimento dos comerciais direcionados ao público infantil e a quantidade de produtos fabricados para crianças. Termina com uma questão: as crianças estariam preparadas para o bombardeio das propagandas? É uma excelente estratégia: terminar a introdução apresentando a pergunta central a ser discutida no texto.
Desenvolvimento do texto com argumentos fortes e coesos. No segundo parágrafo da redação (e o primeiro do desenvolvimento), o autor apresenta dois argumentos fortes que ajudam a comprovar a ideia de que os meios de comunicação têm alto poder de convencimento:
· O fato de que a impressa disseminou os ideais iluministas e ajudou a derrubar o absolutismo.
Ótima escolha de argumento, pois demonstra conhecimento de história e bagagem cultural.
· O fato de que, no Brasil, as propagandas podem influenciar nos resultados de eleições.
Argumento eficiente, que faz um paralelo entre o que já ocorria no século XVIII, dando atualidade à sua defesa de ponto de vista, e mostrando que os meios de comunicação influenciam até os adultos.
No parágrafo seguinte, como o autor acabou de comprovar o poder dos meios até perante os adultos, ele passa a ter todas as cartas na mão para defender que há riscos nesse marketing dirigido às crianças. Basta, então, mostrar as estratégias usadas e suas consequências. É o que o autor faz:
· Denuncia a manobra de marketing de associar o “fazer parte do grupo” com o “ter um brinquedo que o colega tem”.
· Demonstra que está formado aí o ciclo de consumo (querer sempre mais) que abusa da criança.
Conclusão factível e objetiva. Para finalizar o texto, o autor traz duas propostas de intervenção social, bem concretas e exequíveis:
· Ampliar a legislação para limitar a propaganda para o público infantil.
· Conscientizar as crianças, através de ações na sala de aula.
Note que, ao defender um maior rigor na legislação, ele dá como exemplo o que ocorre em outros países. O candidato fez excelente uso, nesse momento, dos textos de apoio, já que um deles mostrava um mapa com a forma como cada país lida com a questão.
Na última frase, o autor mostra por que suas propostas de intervenção são adequadas: por um lado, não afetam o sistema econômico, que depende desse comércio de produtos; por outro, protege as crianças, coibindo abusos.
SEGUNDA PARTE – ANÁLISE DO USO DA LINGUAGEM
O autor usa bem a linguagem, o que também conta para uma excelente avaliação. Veja alguns destaques:
1. Uso adequado de expressões de ligação entre as ideias, para dar coesão ao texto: “Há quem duvide de”, “no entanto”, “mas não é preciso ir tão longe”, “é impossível negar”, “o problema surge quando”... E assim por diante.
2. Expressões adequadas para a modalidade escrita da língua portuguesa, sem cair em termos coloquiais ou muito comuns. Por exemplo: “destinados a essa faixa etária” (em vez de dizer “voltados para crianças”), “no Brasil redemocratizado” (em vez de “na época em que o Brasil passou a ter eleições diretas”), “ciclo interminável de consumo” (em vez de “comprar coisas sem parar”), entre outras.
3. Redação escrita dentro dos padrões da norma culta da língua portuguesa, sem erros de ortografia nem gramática. Além disso, quando o autor precisou utilizar um termo estrangeiro, colocou entre aspas: “marketing”.
4. Aplicação correta das normas de concordância nominal, atribuindo as preposições adequadas a cada nome, como por exemplo nestes trechos: “comerciais direcionados ao público infantil”, “preparadas para o bombardeio de consumo”, “há quem duvide da capacidade”, “responsáveis por mudar o curso da História”, “focar na conscientização dessa faixa etária”.
5. Conhecimento das normas de regência verbal, como aparece nos exemplos que seguem: “... visando àproibição de técnicas abusivas”, “focar na conscientização”, “que abusa da pouca capacidade de discernimento”.
6. Bom uso da pontuação, como se pode visualizar nos trechos que seguem:
"Mas não é preciso ir tão longe: no Brasil redemocratizado, as propagandas políticas e os debates eleitorais são capazes de definir o resultado de eleições."
-> O autor usou os dois pontos para introduzir a sua explicação e, assim, suprimiu termos como “por exemplo”, ou “afinal”.
"...enfeitados por músicas temáticas, as cenas mostram crianças, em grupo, utilizando o produto em questão."
-> O autor colocou um aposto explicativo entre vírgulas – “em grupo”, o que serviu para destacar a ideia, já que iria defender que o uso dos brinquedos se relaciona à aceitação social.
G1
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