Os rumos da medicina no país
Sílvia Gusmão
Psicanalista e sócia fundadora da Trajeto Consultoria
Psicanalista e sócia fundadora da Trajeto Consultoria
Esta semana, o jornal Folha de São Paulo publicou um interessante artigo, assinado por Hélio Schwartsman, sobre o futuro da Medicina, a partir de uma matéria da revista britânica The Economist, a qual afirma que com o envelhecimento da população e o aumento das doenças crônicas haverá escassez de médicos. O longo tempo e o alto custo investido na formação do profissional da área fará com que a demanda entre em descompasso com a oferta, sobretudo nos países em desenvolvimento.
Alguns países já estão adotando medidas para reverter esse cenário. Afirma o artigo que na Índia, por exemplo, momentos menos delicados das cirurgias já são realizados por outros profissionais de saúde. Sabemos que em outros, enfermeiras podem realizar partos de baixo risco e fonoaudiólogos podem diagnosticar e tratar dos distúrbios da fala.
É nesse sentido que cabe indagar se os médicos não deveriam se adaptar aos novos tempos e dirigirem sua ação para atividades cuja complexidade não prescinda de sua atuação. Será que não compõe um modelo mais racional e eficiente de atendimento contar com um suporte de uma equipe multidisciplinar de profissionais e fazer jus ao alto investimento de sua formação, ao invés de ficarem preocupados com uma possível reserva de mercado? Essa poderia ser uma alternativa para enfrentar o iminente problema da falta dos profissionais e, além disso, prestar um atendimento mais humano, integrado e eficaz aos pacientes.
Aliás, a proposta de atenção integral à saúde é o que já defende o Sistema Único de Saúde (SUS) preconizado pela Constituição Federal. No entanto, o projeto de lei denominado Ato Médico, aprovado pela Câmara Federal, atualmente em tramitação no Senado, parece apontar para outro rumo. Alvo de polêmica, esse projeto define como privativo dos médicos o diagnóstico de doenças, a indicação de tratamentos e a chefia dos serviços de saúde, entre outras responsabilidades. O projeto é controverso porque propõe o que parece ser um retrocesso aos avanços do SUS.
A experiência tem mostrado que a abordagem em equipes envolvendo a expertise complementar de profissionais de várias especialidades – enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, agentes de saúde, entre outros – pode trazer resultados mais consistentes. Esse modelo, porém, exige que os profissionais sejam preparados para tornar possível um atendimento sincronizado, no qual as competências se complementem e as funções, atribuições e tarefas de cada um sejam bem delimitadas, evitando, assim, o risco de “invasão” ao que é próprio da especificidade da ação do outro. Um exemplo bem usual de exercício profissional indevido, observado no cotidiano dos serviços de saúde, é a prescrição medicamentosa ser realizada por outros profissionais além dos médicos e odontólogos.
Diante dessas questões, a discussão sobre o futuro da Medicina parece caminhar na contramão. Ao invés de lutar por uma reserva de mercado, cerne do Ato Médico, não seria melhor investir na qualificação e capacitação de equipes multiprofissionais de saúde para uma atuação mais articulada e sincronizada? Uma questão da qual não apenas os profissionais da área, mas toda a sociedade não deveria abrir mão.
Fonte: Coluna Acerte o Rumo, blog da Revista Algomais.
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