domingo, 3 de março de 2013


A matéria em diferentes escalas

Em sua coluna de junho, Adilson de Oliveira explica como os átomos interagem paradar origem a estruturas tão diversas: desde uma molécula de água na Terra até gigantescas estrelaem galáxias distantes.
Por: Adilson de Oliveira
A matéria em diferentes escalas
Tanto as moléculas que formaa água quanto as estrelas são constituídas pelainteração de átomos de diferentes elementos. (foto: Sxc.hu/Stephen Davies e Nasa)
Em diversas oportunidades nesta coluna, falamos sobre planetasestrelas e galáxias.Em outros momentos, também abordamos temas como átomos e moléculas, que, ao interagirem, dão forma a tudo que percebemos ao nosso redor. Também discutimos como o homem pode manipular tais estruturas fundamentais e produzir novos materiais que modificaram (e modificam) as nossas vidas.
Em um primeiro momento, podemos pensar que a vastidão do cosmos e complexidade dos átomos não estão conectadas. Afinal, as galáxias localizam-se a milhões ou até bilhões de anos-luz de distância (um ano-luz representa a distância que um raio de luz percorre durante um ano e equivale a aproximadamente 10 trilhões de quilômetros) e são necessários gigantescos telescópios para detectaa fraca luz que nos chega apartir desses objetos.
As estruturas fundamentais damatéria são tão pequenas que somente sãoacessíveis com poderosos microscópios eletrônicos
Por outro lado, as estruturas fundamentais damatéria são tão pequenas, da ordem de décimos de nanômetro (um nanômetro é um bilionésimo do metro), que somente sãoacessíveis com poderosos microscópios eletrônicos, que, mesmo assim, nos mostramapenas uma pequena parte de toda a suacomplexidade.
Tanto as estrelas das galáxias quanto umafolha de árvore são feitas de átomos. Os átomos são basicamente constituídos de prótons (partículas com carga elétricapositiva) e de nêutrons (sem carga elétrica) – que formam o núcleo atômico – e de elétrons (partículas com carga elétrica negativa). Estes se mantêm presos ao núcleoatômico devido à atração elétrica entre suas cargas e as dos prótons (também chamada de atração coulombiana).


Simplicidade estelar

Os átomos que compõem as estrelas das galáxias, em sua maior parte, são os mais simples da natureza: o hidrogênio e o hélio. O hidrogênio tem apenas um próton emseu núcleo e o hélio, dois prótons e dois nêutrons. Devido às altas temperaturaemque eles se encontram no interior das estrelas, esses átomos estão completamente ionizados, ou seja, seus elétrons não estão mais ligados ao núcleo atômico e a matériapermanece em um estado particular que chamamos de plasma.
Sol
Devido às altas temperaturas dentro das estrelas, a matéria em seu interior permanece no estado de plasma. (foto: Nasa Goddard Laboratory forAtmospheres)
No núcleo de uma estrelaa temperatura atinge dezenas de milhões de graus Celsius. Nessa condição extrema, os núcleos de hidrogênio se movem com tanta velocidade – com altíssimas energias – que conseguem vencer a repulsão elétrica que existe quando duas cargas com o mesmo sinal se aproximam.
Quando eles se aproximaa uma distância da ordem de 10-15 metros, outra forçafundamental da natureza entra em ação: a força nuclear forte. Essa força é a mais intensa que existe no universo (cerca de 100 vezes mais intensa que a força elétrica), porém o seu alcance é muito limitado (10-15 m).
Quando quatro átomos de hidrogênio colidem, ocorre a formação de um núcleo do átomo de hélio. Nesse processo, dois prótons (que são núcleos dos átomos de hidrogênio) se transformaem dois nêutrons e são emitidas duas partículas com amesma massa do elétron, mas com carga elétrica positiva, às quais se denominapósitron.
Uma estrela como o Sol libera umaenergiaequivalente a mais de 10 milhões de vezes a energiaderivada daprodução anual de petróleo da Terra
O núcleo do átomo de hélio e as partículas produzidas nesse processo têm massamenor do que a dos quatro prótons de hidrogênio iniciais. A diferença de massa é convertida em energia, como previsto pelaequação de Einstein E=mc2, na quam é adiferença de massa e c a velocidade da luz. Como c tem um valor muito grande, umapequena quantidade de massa equivale auma enorme quantidade de energia.
Uma estrela como o Sol transformaa cadaminuto, algo em torno de 36 bilhões de toneladas de hidrogênio em hélio, liberando uma energia equivalente à queima de 8×1020 (oito seguido por 20 zeros) litros de gasolina por minuto, ou mais de 10 milhões de vezes a energia derivada da produção anual de petróleo da Terra.
Esse processo continua ocorrendo em uma estrela durante bilhões de anos. O Sol, por exemplo, existe há mais de 5 bilhões de anos e continuará brilhando ainda por outros 5 bilhões. A transformação de núcleos atômicos também acontece em estrelas com mais massa que o Sol e forma átomos mais complexos, como o carbono, o oxigênio, entre outros.


Complexidade ao nosso redor

As condições em que vivemos no nosso planeta permitem que os átomos que estão ao nosso redor se combinem e formem estruturas mais complexas e estáveis, que chamamos de moléculas. Nesse caso, quem domina é a força de interação entre os elétrons, que possibilita a combinação de diferentes tipos de átomos.
Por exemplo: a molécula da água, que é composta por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O), tem uma estrutura molecular muito simples que lembra um ‘V’aberto, com o átomo de oxigênio no seu vértice e os átomos de hidrogênio nas pontas. Essa estrutura ocorre devido à repulsão elétrica (chamada de repulsão coulombiana) existente entre esses átomos, que estão unidos por uma ligação química denominadacovalente.
Molécula de água
A estrutura de uma molécula de água lembra um ‘V’ aberto, com o átomo de oxigênio (em vermelho) no vértice e os átomos de hidrogênio (em cinza) nas pontas. (imagem: Wikimedia Commons/ Chemitorium – CC0 1.0)
Tanto o hidrogênio como o oxigênio são átomos pequenos, que tornaa molécula daágua leve. As moléculas de água se ligam entre si por meio de uma ligação químicaconhecida como ponte de hidrogênio. Se não fosse esse tipo de ligação, a água seriaum gás em temperatura ambiente e ficaria líquida apenaem baixas temperaturas.
Combinações não tão simples entre átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio etc. permitem formar moléculas tão complexas como as de DNA (ácido desoxirribonucleico), que são a base da vidaEm certas condições, essas moléculas são capazes de se copiar e, assim, permitir o surgimento de estruturas ‘vivas’ tão complexas como nós.
Seja nas estrelas – tanto as próximas quanto as das distantes galáxias –, seja na Terra,as leis que regem a ‘química nuclear’ são as mesmas. A matéria, em suas diferentesformas, é constituída do mesmo modo em todos os lugares do universo. Apenas as transformações e combinações dos átomos são diferentes. E são as condições locais que permitem o surgimento dessa grande variedade de estruturas, desde microscópicas formas de vida até gigantescas estrelas.


Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos


Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Os átomos de hidrogênio e oxigênio na molécula de água são unidos por ligações covalentes, e não pontes de hidrogênio, como mencionado anteriormente. As pontes de hidrogênio são responsáveis pela ligação das moléculas de água entre si. Além disso,a estrutura em forma de ‘V’ da molécula da água deve-se à ação da repulsão elétricaentre os átomos de hidrogênio e oxigênio que a compõem, e não à formação de pontes de hidrogênio entre eles. (9/7/2012)

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