sexta-feira, 8 de maio de 2015

Vikings: metrossexuais e poligâmicos. Entenda como era a vida dos nórdicos livres

Reportagem: Fronteira- Agência de Jornalismo*
vikings
Eles eram metrossexuais, não tinham sobrenomes e conviviam com a poligamia e o divórcio. Entenda como era a vida dos nórdicos livres
Na enorme sala de uma casa de madeira de seis cômodos, os parentes entoavam canções pedindo a proteção das deusas Frigg e Freya. No quarto, uma mulher de joelhos prestes a dar à luz berrava, amparada por duas escravas. Depois de horas em sofrimento, finalmente a cabeça do bebê surgiu. Suada, mas viva (o que já era uma vitória numa época em que muitas mulheres morriam no parto), a mãe recebeu o filho, que nasceu sem deformações. Os bebês com problemas eram abandonados na floresta – o método também era usado para controle da natalidade até a introdução do cristianismo na região, que condenou a prática. Na sala, a notícia foi recebida com festa. A comemoração se estendeu na mesa, com pães e blinis, pequenas panquecas de massa fermentada consumidas com manteiga, peixe, queijo e frutas.
O bebê ficava nove dias sem nome. Em um ritual íntimo, o pai segurava a criança no colo, respingava água em seu corpo e lhe dava um nome, em geral o de um parente morto admirado. Os nórdicos acreditavam que a personalidade de uma pessoa podia ser transferida a outra dessa forma. Nosso garoto fictício recebeu o nome de Úlf (lobo na língua local), o mesmo de seu avô paterno, um guerreiro conhecido na Noruega. Era comum dar nome de animais, ou de dois deles juntos, como Úlfbjörn ou “Lobo-urso”, ou de deuses. Não existiam sobrenomes hereditários. Outro hábito da época consistia em acrescentar ao primeiro nome um aposto, indicando o local de nascimento, uma posse (como armas) ou ainda um atributo pessoal, como Sigrid, a Ambiciosa, casada com o rei Eirikr, o Vitorioso.
Úlf mal deixou o berço e já estava envolvido com a ordenha de cabras na pequena fazenda de seu pai, que chamaremos aqui de Ragi, um agricultor que pertencia à classe dos homens livres (que se transformavam em guerreiros durante as invasões de verão). A sociedade viking tinha três classes: a dos chefes, que exerciam domínio sobre determinados povoados; a dos fazendeiros, como Ragi, e a dos escravos, que não tinham direito algum. O pai de Úlf podia andar armado e expressar suas visões na Thing, uma espécie de parlamento que reunia representantes de diversas regiões. Ragi era o representante da sua aldeia na assembleia que ocorria no verão e era dedicada a resolver todo tipo de questões, como brigas por terra entre vizinhos. As decisões da Thing não eram transcritas em ata, mas comunicadas à comunidade inteira. Se o povo acatava, valia como lei.
Ragi era dono da própria terra, herdada do pai. Mas havia também grandes latifundiários que loteavam fazendas e as arrendavam. Um deles, Jarlabanke, que viveu na metade do século 11 na hoje cidade sueca de Uppsala, fez questão de deixar registrado seu poderio. Mandou esculpir pedras distribuídas por toda a extensão de sua propriedade. Seis delas ainda existem. Em uma, está escrito: Jarlabanke ergueu essas pedras em memória de si mesmo em vida. Sozinho ele era dono de Täby inteira. Deus ajude a sua alma. Em outra, menciona outros feitos, como a construção de um local para a realização dos encontros da Thing: Jarlabanke ergueu essas pedras em memória de si mesmo em vida, fez desse o local da Thing e sozinho era dono desse distrito inteiro.
Os vikings foram os inventores da cerimônia de casamento como conhecemos hoje, com direito a troca de alianças, véus, grinaldas e lua de mel, costumes que influenciaram os cristãos e ganharam o mundo. Na Era Viking, anéis simbolizavam o compromisso entre guerreiros, reis e casais. As festas de casamento eram regadas a hidromel e ocorriam em época de lua nova. Os homens eram polígamos, mas a primeira esposa tinha prevalência sobre as demais e usava uma espécie de chaveiro exclusivo na cintura. As esposas se dividiam nos cuidados com os filhos e enteados sem crises de ciúmes. Elas tinham todo o direito de pedir o divórcio e casar com outro. Não raro, as escravas mais belas viravam acompanhantes de luxo com direito a regalias e certa distinção social. Os escravos homens que possuíam habilidades manuais também podiam gozar de prestígio e, em algumas comunidades, recebiam uma espécie de alforria informal dos patrões.
Enquanto isso, crianças como o nosso Úlf não tinham muito tempo para a infância. Ajudavam as mães no campo e, nas horas vagas, recebiam lições para se defender de inimigos e de animais selvagens, como ursos. Quanto ao ensino, os vikings tinham um alfabeto enxuto, formado por 16 letras (as runas). Mas não era fácil dominar o nórdico antigo: cada letra tinha mais de um significado ou fonema. Como não havia papel, tinham de esculpir poemas e homenagens em pedra, madeira ou osso. Por isso, deixar registros escritos não era comum, o que dificulta muito a vida de historiadores até hoje. Mas os vikings escreviam seus nomes e pequenos bilhetinhos em muitos objetos. Em escavações recentes, foi encontrado um pedido singelo, escrito em um pequeno pedaço de osso: “beije-me”.

Artistas e vaidosos até a morte
Os nórdicos gostavam de ritos e símbolos. No dia a dia de uma cidade viking, era comum ver homens maquiados, mulheres repletas de joias como se fossem princesas e escutar poemas recitados ao ar livre. Na hora do adeus, rolava muito sexo, álcool e mais mortes.
1. Os fashionistas
Na batalha, eles ficavam suados e sujos, mas, no dia a dia, não dispensavam o pente e a maquiagem. E ninguém andava com unha cheia de terra. A “necessaire” de um viking continha uma profusão de pentes, pinças e palitos de dente. Como não havia garfo, só facas, comia-se com os dedos. Mas, logo após as refeições, havia cubas próprias para lavar as mãos, em um ritual de higiene que terminava com a limpeza das unhas e dos dentes. Os pentes, em si, eram um capítulo à parte. Tinham cabos decorados com ornamentos, e tudo leva a crer que eram artigos valorizados, mas amplamente usados por guerreiros a escravos. A maquiagem também era um hábito unissex. Em um relato, o árabe-espanhol At-Tartushi, que visitou Hedeby, uma das mais importantes cidades vikings, no século 10, escreveu que tanto os homens quanto as mulheres pintavam os olhos de preto. Os sábados eram reservados ao banho semanal. Depois de limpos, era tradição arrumar o cabelo com enormes tranças e vestir a melhor roupa. As franjas eram comuns assim como o undercut, o hábito de raspar a parte debaixo do cabelo, próximo à nuca, tendência hoje no mundo todo. Os homens usavam túnicas até os joelhos, com calças, mantos com pregas em um dos ombros e botas feitas de pele de cabra. As mulheres vestiam uma espécie de vestido de lã de corte reto. A nobreza tinha o hábito de manter, em uma argola, objetos de primeira necessidade: chave, uma pequena faca, uma tesoura e uma agulha.

2. Joias de 1 kg
Vikings eram doidos por broches. Foi encontrada uma profusão deles nos túmulos dos chefes, todos em bronze, prata e ouro. Eram usados para segurar mantos e xales – alguns chegavam a pesar 1 kg. Colares e braceletes também faziam parte do traje cotidiano da classe alta e distinguiam ricos e pobres. Até dava para saber a conta bancária pelas joias. Funcionava assim, segundo um relato árabe feito em 920: a mulher cujo marido tinha 10 mil dirhams (a moeda de prata árabe) usava um colar de ouro maciço; e a cada 10 mil dirhams a mais, ganhava um novo colar, e assim por diante. Algumas mulheres tinham vários deles, com berloques com símbolos pagãos, como o martelo de Thor, um dos símbolos mais usados.

3. Poesia no ar
Guerreiros recitavam poemas em campos de batalha. Na hora do embate, enquanto alguns tremiam, outros improvisavam versos. Criar estrofes e recitá-las era considerado uma habilidade essencial do homem nórdico e estava presente do café da manhã ao jantar. Qualquer situação era motivo para declamar. O historiador islandês medieval Snorri Sturluson, autor do Edda em Prosa, considerada a maior fonte literária da mitologia nórdica, descreveu na Saga de St. Olaf, datada de 1230, um episódio que ilustra bem esse apreço. Logo antes da batalha de Stiklestad, em 1030, o rei Olaf 2°, da Noruega, pediu ao poeta do reino recitar alguns versos. Foram tão épicos que os sobreviventes agradeceram ao poeta por ter levantado o moral da tropa antes da derrota (o rei foi morto). A poesia eddaica tinha enredos envolventes em estrofes curtas, gravadas em pedras e pedaços de madeira. Os nórdicos tinham um incrível poder de concisão.

4. Morte em alto estilo
Os enterros eram ritos pirotécnicos e sanguinolentos, que mobilizavam toda a comunidade. Por acreditar que os mortos precisavam de um meio de transporte para alcançar o além, eles dispunham os corpos em pequenas embarcações de madeira em chamas, ricamente adornadas com móveis, joias, animais decapitados e frutas. Mas a preparação começava bem antes. Uma das mais famosas descrições de um enterro nórdico foi a do chefe dos rus, da região de Volga, atual Rússia. Após dez dias de preparação, o corpo do chefe do clã foi levado ao interior de um barco, onde havia armas, cadeiras e camas. Cavalos, vacas e cães foram sacrificados, esquartejados e colocados junto ao corpo. Depois, a família perguntou aos escravos e servas (muitas vezes, amantes do patrão) quem desejava se unir ao defunto. Uma serva se prontificou. Teve o corpo lavado por outras escravas e foi levada a um festão, cheio de bebidas e sexo. Ela passou por vários homens antes de ser levada à embarcação, onde foi estrangulada enquanto uma mulher com o rosto tapado, conhecida como anjo da morte, enfiava uma adaga nas suas costelas. Seu corpo foi disposto junto ao do chefe, e um parente do morto ateou fogo no barco. Nos enterros mais simples, era costume jogar terra sobre o cadáver, formando um pequeno monte.

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